Estava chovendo.
Marc: E aí.
Fábia: E a-
Ela já havia reconhecido a voz de Marc, mas quando olhou para cima na direção dele, apoiando uma mão na testa para proteger seus olhos da chuva, ela perdeu as palavras.
Fábia: -aííí. Quanta elegância hoje, hein?
Marc riu brevemente e sorriu, debaixo de seu guarda-chuva preto, vestindo um smoking azul-escuro acompanhado de um par de sapatos marrons bem polidos, parado em pé ao lado das portas duplas do hotel chique pelo qual ela sempre passava ao voltar para casa depois do treino de corrida.
Marc: Você vai ficar resfriada, sabe.
Fábia: Nem tá chovendo tanto assim, vou ficar bem. Já estou indo para casa, de toda forma.
Marc: Eu realmente não entendo como é que você gosta tanto de correr.
Fábia: Vindo de um cara vestido desse jeito, entendo perfeitamente como é que você não entende.
Abrindo um sorriso largo para ele, ela se apoiou na parede de concreto do prédio ao lado das portas. Ele olhou para ela pelo canto dos olhos e então para a chuva que pintava o asfalto na rua movimentada em frente a eles.
Marc: Estou ofendido — ele disse com um sorriso.
Ele olhou de volta para ela enquanto ela tomava um gole de água da garrafa que carregava numa bolsa amarrada à sua cintura como um coldre.
Marc: Mas, sério, por que você foi para o treino na chuva?
Fábia: Eu sempre vou, com ou sem chuva. Mas quando chove, é... tipo, mais refrescante ainda.
Marc levantou uma sobrancelha.
Fábia: Sem trocadilhos.
Marc: Explique-se.
Fábia: Não sei...

Ela olhou para cima, para as nuvens de chuva, respirando fundo. Marc repentinamente se sentiu como se estivesse olhando demais para ela, e a ideia de que talvez fosse devido às roupas de corrida dela veio à sua mente e fez com que ele corasse — ou ao menos sentir como se estivesse corando — por uma fração de segundo, fazendo com que ele decidisse tirar os olhos dela devagar, voltando a olhar apenas quando ela voltou a falar.
Fábia: É só que... Quando estou correndo sinto que não sou só eu, sabe? É estranho tentar explicar a sensação... Mas é como se eu fosse parte de tudo. Como se eu fosse uma só com o vento. Sei que isso parece muito coisa de princesa da Disney, mas, é. Eu não corro pelas competições, pelas medalhas, essas coisas. Eu só gosto disso, muito. É tanto parte de mim quanto eu sou parte... de tudo. Quando chove esse sentimento todo bate mais forte, eu acho. Gosto muito da chuva, é uma sensação de limpeza, naturalidade, leveza. E agora estou divagando. Fiz algum sentido?
Virando-se para olhar para ele, ela viu algo em seus olhos que poderia ser tanto ele pensando que ela era uma pessoa ainda mais estranha do que ele pensava ou ele se sentindo muito fascinado pelo que ela havia acabado de dizer. Apenas o breve pensamento de possivelmente ser a segunda opção fez com que ela corasse por uma fração de segundo, ao passo que ela decidiu sorrir um sorriso torto, mas, ao mesmo tempo, muito honesto.
Marc: Ahm, sim. Todo sentido.
Ele soava como se estivesse sem palavras, e um instante de silêncio se seguiu. Ambos apreciavam o silêncio, achavam um tanto quanto confortável, o que fez com que Fábia sentisse que iria começar a corar mais uma vez. Limpando a garganta discretamente, ela decidiu mudar de assunto.
Fábia: Então o que você tem para fazer hoje?
Marc: Meu tio vai receber algum tipo de prêmio.
Fábia: O tio advogado?
Marc: Isso. Depois vamos para um jantar esquisito de família.
Fábia: Por isso você se vestiu assim esquisito.
Marc: Exatamente.
Os dois riram levemente, e um estranho sentimento de como todos os detalhes daquela conversa se encaixavam fez com que Fábia sentisse que o tempo havia parado. Marc levou a mão ao bolso para atender o telefone, um carro preto e chique chegou, ele se despediu rápido, ela desejou que ele se divertisse, o carro foi embora. Todos esses momentos passaram como se em piloto automático, e apesar de ela estar convencida de que toda aquela situação faria ela se sentir esquisita, ela não se sentiu. Foi como se ela, ali parada onde estava, tendo tido aquela conversa, estivesse seguindo a ordem natural das coisas. Não era nada especial, ou algo que ela deveria ter cuidado, e, enquanto ela se perguntava se não estaria pensando demais sobre tudo e fazendo se tornar algo maior do que realmente era, ela também sentia que tinha permissão para fazer isso. Ela se sentiu muito, muito... leve.
E então parou de chover.