Ele foi procurá-la no auditório, e confirmou que ela estava de fato lá, com seu caderno no colo, encarando o palco. Ele andou até ela e entrou na fila de cadeiras logo atrás dela, sentando-se em silêncio, uma cadeira à direita dela. Ela estava com os olhos fechados até notar a presença dele, apoiando a cabeça nos braços, sobre a cadeira logo ao lado dela, e olhou para ele pelo canto do olho.
— Você sempre chega quietinho assim perto das pessoas e fica parado sem dizer nada?
— Pensei que você talvez estivesse pensando em alguma coisa e não quis te atrapalhar.
Ela sorriu um sorriso fraco, e clicou o botão da caneta em sua mão algumas vezes, deitando a cabeça para trás e olhando para o teto recém-pintado.
— Então, você está pensando em alguma coisa?
— Eu estava, mas agora só estou olhando para o teto.
— Poderia-se dizer que é um bom teto para se olhar.
— Suponho que sim.
Eles caíram em silêncio, admirando o teto.
— Me diga, é mais difícil falar sobre um sentimento que você nunca sentiu, ou sou só eu?
— Pode-se dizer que é mais difícil, sim. Mas de toda forma, você pode ter uma opinião sobre alguma coisa sem nunca ter ativamente experienciado, não pode?
— Parece estranho ter uma "opinião" sobre um sentimento.
— De que sentimento você tem dificuldade para falar sobre?
— Tenho uma tarefa para escrever sobre algo poderoso, apaixonado. E eu sempre fui mediana.
Ele tirou os olhos do teto e olhou para ela. Ela não se moveu um centímetro.
— Isso é meio triste.
— Mas é verdade. Sabe, já vi as pessoas escrevendo e falando sobre como é ser a pessoa que sente mais, que se investe mais. Sobre ser o mais apaixonado. Eu nunca fui a pessoa mais apaixonada. E agora estou chateada em pensar sobre isso, e não quero escrever sobre isso.

— Invente, então.
Ela encarou-o pelo canto do olho, mais uma vez, antes de virar-se para olhá-lo de frente. "Ele é um artista, deve pensar que é fácil inventar essas coisas" ela pensou.
— Quê?
— Imagine-se numa situação em que você é a pessoa mais apaixonada. Como num sonho.
— Acho que todo mundo sonha com isso, não? Em se sentir assim desse jeito maravilhoso sobre outra pessoa.
Ele notou que o tom da voz dela estava mais seco ultimamente. Ultimamente ela havia passado muito tempo escrevendo, e passando cada vez mais tempo no departamento de teatro, parte de sua missão pessoal com o objetivo de se tornar uma pessoa menos racional. "Ela é matemática, deve pensar que a forma como ela sente seus próprios sentimentos é errado, porque ela pensa em números, e não de uma forma mais abstrata, como todo mundo parece fazer," ele pensou. Decidiu responder para que ela não pensasse que ele estava analisando demais.
— É.
— Acho que eu poderia fazer isso.
Todos os sentimentos que ela colocou nessa frase caíram sobre ele com um peso extraordinário. Números são coisas muito pesadas, para um artista que pensa majoritariamente em cores, e ele tinha muita certeza de que ela não havia percebido o quão pesadas suas palavras haviam sido. Ele sentiu um forte impulso de carregá-la em seus braços e levá-la para um museu, ou ao parque, ou ao topo da Torre Eiffel, todos ao mesmo tempo. Ele decidiu pelo que realmente podia fazer, em vez do que gostaria de fazer, com todas as cores de seu coração artista.
— Quer um café? Ou uma sobremesa ou algo do tipo? Ou um abraço?
— Aceito todos, por favor. Ao mesmo tempo, se possível.
Sabe, eu escrevi algumas histórias aí durante a vida. Tenho fichas de personagens, histórias de origem inteiras, a coisa toda. Mas se eu tivesse que escolher uma dessas histórias para realmente focar e construir algo maior em cima (tipo um livro de verdade, quem sabe), nessa altura da vida, seria essa aqui. É bem simples, não tem um grande objetivo nem nada do tipo. Eu até considerei não dar nomes aos personagens, tentaria descrevê-los de uma forma bem característica para que eu pudesse contar as histórias em vários diálogos talvez desconexos e você ainda assim entenderia. Mas eventualmente alguns nomes vieram à mente, porém os dois personagens principais seguem anônimos. Eles são quase existências etéreas, na minha mente.
Você não sabe o quão bem eu me sinto sobre isso aqui. Tem uma fangirl gritando dentro da minha cabeça.
Quero me sentir assim pra sempre.