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19 março 2021
Ar Puro

Estava quente lá dentro. Irritantemente quente, abafado. Naturalmente não me incomodava, aquele ambiente com pouca ventilação cheio de pessoas, talvez eu simplesmente não quisesse ficar ali. Lá fora haveria a brisa noturna para me confortar, em meio às fumaças de cigarro e outras drogas, mas eu já havia me acostumado a evitar. Realmente, eu não queria ficar ali, até o caminho para a saída parecia ser longo demais. Não quero reclamar das coisas, que fique registrado. Empurrei a porta como quem alcança a liberdade, e saí para a antessala exageradamente iluminada. Restavam poucos passos para que eu alcançasse o conforto da brisa. Para a minha surpresa, não havia muita fumaça de cigarro e outras drogas, na verdade não havia praticamente nada lá fora. Deviam estar todos ainda se apertando no calor lá de dentro, coitados.

Encostei-me com calma no baixo muro que separava o domínio particular do local do domínio público da rua, e respirei fundo aquele ar frio. Provavelmente não estava frio, mas comparado ao ar enclausurado de onde eu acabara de sair, qualquer coisa era fria. O céu estava estrelado mas ainda um pouco nublado, com a aparência de um tecido caro que alguém havia furado diversas vezes e colocado um foco de luz por trás. Vasculhei a mente por uma outra ocasião em que eu saíra sozinha dali, com a mesma vontade perfurante de "ar puro". Vasculhei em vão. Por que logo naquele dia eu queria tanto a minha parte de "ar puro"? Minha mente parecia estar nublada como o céu, com algumas ideias atravessando-a como as pequenas estrelas que brilhavam. Mas o que haveria de nublar a minha mente? Não havia nenhuma preocupação me incomodando, eu não me estressava há dias, não lembrava de nenhum compromisso, não havia esquecido nada. Não havia nada. Só havia o espaço um tanto quanto amplo para ocupar com o presente. Então qual o problema?

Olhei as horas no celular e guardei-o na bolsa novamente. Olhei para a porta, e de lá ele veio, com uma garrafa d'água na mão. Ele olhou na minha direção e sorriu com os olhos. Disfarcei, por algum motivo. Garotas sempre disfarçam quando um garoto sorri com os olhos olhando para elas. Ele se aproximou, eu estiquei o braço para pegar a garrafa, e dessa vez ele sorriu com os lábios enquanto eu tomava um gole.

— Entediada?

— Não — tédio estava longe de ser a questão.

— Cansada, só?

— Acho que sim.

Devolvi-lhe a garrafa ao passo que ele encostou-se no muro, ao meu lado. Silêncio. Tão confortante quanto a fraca brisa. As pessoas conversavam ao redor, mas eu não ouvia. Um casal ou dois estava à beira da indecência logo ali, mas eu não via. Eu já havia esgotado a minha ansiedade, minha antecipação. Restava-me um pedaço da expectativa para me manter num estado de animação suspensa até que os fatos se concretizassem e outras expectativas substituíssem as primeiras. Por enquanto eu não queria mais nada, só o que já tinha. Aquela brisa, aquele conforto, aquele ao meu lado segurando uma garrafa d'água. Passei tanto tempo dizendo a mim mesma para viver o presente, e esqueci isso no meio do caminho. Ele mudou a garrafa da mão direita para a esquerda e moveu o braço levemente até me abraçar a cintura. Respirei fundo como antes e deitei a cabeça no ombro dele. Não sei se ele sorriu com os olhos ou com os lábios, mas ele sorriu. O sorriso dele era uma coisa que não era necessário ver, dava para sentir.

— Quente lá dentro, né? — perguntou ele, tomando mais um gole d'água.

— Muito — respondi sorrindo.

Espero que meu sorriso tenha a mesma qualidade de poder ser sentido. Por algum motivo eu queria que ele soubesse que eu estava sorrindo, mas não queria que ele precisasse me olhar de frente para saber. Aí uma estrela brilhou na minha mente: agora eu queria alguma coisa.

Samanta Santy @ Unsplash


Esse aqui é outro de tempo atrás, começo de 2011 para ser exata. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência porque basicamente peguei situações que realmente aconteceram e dei uma pequena distorcida para tentar expressar o que estava sentindo. E não fiz isso muito bem, pra ser sincera. Em parte porque se a memória não me falha eram muitos sentimentos que acabavam virando em nada, quando você sente muito de muitas coisas acaba não sentindo nada de nada. Aí fica difícil, de qualquer forma. E hoje entendo que 10 anos atrás eu ainda não sabia direito quem eu era.

Também porque por muito tempo escrevi exclusivamente na terceira pessoa, então quando resolvia escrever em primeira, na hora de detalhar as coisas acabava ficando muito abstrato. Eu sei exatamente o que quis dizer, mas não sinto firmeza para afirmar que você que está lendo sabe. É mais fácil expressar certas coisas quando são expressões "de outra pessoa".

Mas com o tempo a gente aprende a colocar "nós mesmos" melhor em palavras.

Sinceramente,
Júlia P. V. Souza

Trilha Sonora